MULHERES MOTORISTAS MOSTRAM FORÇA NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE MERCADORIAS

MULHERES MOTORISTAS MOSTRAM FORÇA NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE MERCADORIAS

Nuno NUNO

As mulheres ainda têm pouca representatividade nos motoristas profissionais. Mas há sinais de mudança. É o caso de Diana Macedo e Sabine Nichterlein, motoristas da Empresa de Transportes Álvaro Figueiredo (ETAF), entrevistadas na SocInterview, rubrica de entrevistas da Sociedade Comercial C. Santos, para assinalar o Dia Internacional da Mulher (8 de março).

Os dados da União Internacional dos Transportes Rodoviários (IRU) são claros: faltam motoristas de pesados de mercadorias na Europa. A organização revela que, em 2022, ficaram por preencher cerca de 600 mil vagas de motoristas de camião no continente e a estimativa é que, de acordo com as tendências atuais, essa escassez atinja quase dois milhões até 2026.

Diana Macedo e Sabine Nichterlein — Source: Soc. Com. C. Santos
Diana Macedo e Sabine Nichterlein — Source: Soc. Com. C. Santos

A IRU explica que o aumento previsto se deve ao envelhecimento da população de motoristas, juntamente com uma baixa taxa de jovens motoristas. Em toda a União Europeia, apenas 6% dos motoristas profissionais têm menos de 25 anos. Ainda mais baixa é a taxa de mulheres atrás do volante: menos de 3%.

No caso das senhoras motoristas, há sinais de mudança que importa conhecer. É o caso de Sabine Nichterlein e Diana Macedo, motoristas da ETAF, que estão em foco na mais recente SocInterview, rubrica de entrevistas da Sociedade Comercial C. Santos.

Entrevista a Diana Macedo e Sabine Nichterlein, motoristas da ETAF — Source: Soc. Com. C. Santos

Mudança de mentalidades

A alemã Sabine Nichterlein viveu, em jovem, com a família, em Portugal e foi no nosso país que começou «a ter a ideia de tirar a carta de camião». A decisão final de obter a habilitação necessária para conduzir veículos pesados de mercadorias foi tomada em 2008 e Sabine optou por fazê-lo na Alemanha por estar mais à vontade com a língua. Uma vez habilitada, regressa a Portugal, mas não consegue emprego. «Não queriam, na altura, uma mulher sem experiência».

Diana Macedo está na ETAF desde setembro de 2022, mas «desde sempre teve contacto» com a realidade do transporte rodoviário de mercadorias. «O meu pai é motorista (também no transportador sediado em Oliveira de Azeméis) desde que eu me lembro e sempre tive um carinho muito grande por esta profissão e até pela empresa. Fiquei desempregada e fui juntar o útil ao agradável: comecei a tirar a carta (de camião) e, entretanto, desisti da anterior profissão e vim para aqui».

Sabine Nichterlein — Source: Soc. Com. C. Santos
Sabine Nichterlein — Source: Soc. Com. C. Santos

Sem conseguir emprego em Portugal, Sabine Nichterlein regressou à Alemanha e aí conseguiu colocação, tendo começado no transporte internacional.  Foram sete anos nessa área, fazendo, a partir da Alemanha, serviços em vários países, como Inglaterra ou Espanha, entre outros. Passado esse tempo, quis passar para o transporte nacional. «O passo foi enorme», conta.

Da universidade para o volante

A imagem genérica que a sociedade tem da profissão de motorista está errada, de acordo com Diana Macedo. «Cada vez mais tem de se desconstruir a imagem de que é uma profissão para leigos, para quem não consegue mais nada, porque isso não é verdade. Nós temos muita responsabilidade, temos de ter muito conhecimento em várias áreas. Está na altura de as pessoas lá fora terem um pouco a noção do que é ser motorista, principalmente no serviço internacional».

Diana Macedo — Source: Soc. Com. C. Santos
Diana Macedo — Source: Soc. Com. C. Santos

Sabine Nichterlein voltou em 2021 para Portugal e ainda trabalhou em outras áreas profissionais, mas logo decidiu voltar aos camiões por não conseguir viver sem estes. «Parei, praticamente, logo na Empresa de Transportes Álvaro Figueiredo. Deixei o meu currículo e nem sequer o viram. Disseram-me «se sabes conduzir, vamos experimentar». E, assim, estou aqui. E estou aqui muito bem, gosto muito dos meus colegas, gosto muito do ambiente».

Diana Macedo é licenciada em Línguas Modernas (vertente inglês e espanhol). «Dá sempre para treinar um pouco e colocar em prática o que aprendi na licenciatura. É sempre uma mais-valia, porque temos de chegar aos clientes em Espanha, em França ou em qualquer lado e o inglês é a língua universal», refere a motorista, para quem «isso é motivo de orgulho e resulta do esforço» feito para estudar.

Sabine Nichterlein — Source: Soc. Com. C. Santos

Tratamentos especiais são rejeitados

Os motoristas que trabalham no serviço internacional têm, muitas vezes, de pernoitar no camião. A questão da segurança existe, mas não preocupa em demasia estas duas profissionais. «Tanto estamos seguros no nosso camião — que funciona como a nossa casa — como na nossa própria casa. Isso não é razão para não arriscar e não seguir o sonho», afirma Diana Macedo.

As mentalidades estão a mudar, mas, como é habitual, estamos num processo lento. «Em Inglaterra, paravam na rua e diziam «oh uma lady driver». Na altura ainda era muito estranho. Hoje, em dia já não é tanto, porque já há mais mulheres atrás do volante de veículos pesados», explica Sabine Nichterlein.

Diana Macedo — Source: Soc. Com. C. Santos
Diana Macedo — Source: Soc. Com. C. Santos

Esta profissional indica que contou sempre com o apoio dos colegas de profissão, conhecendo-o previamente ou não. «Se uma pessoa precisa de ajuda, tem. Seja homem, seja mulher, não faz diferença. Somos motoristas e não há diferenças», afirma a profissional.

Diana Macedo ainda vê alguma estranheza — em qualquer lugar — por parte das pessoas quando vêem uma mulher a chegar ao volante de um camião. «Ainda fazem muitas perguntas. «Ai é motorista?» Eu respondo «sim, sou»… porque ainda há muito aquela mentalidade de que motorista é homem. Porque é um trabalho pesado».

As duas motoristas sublinham, porém, que não precisam de qualquer tratamento especial por serem mulheres. «Fazemos o nosso trabalho tal e qual os homens», realça Sabine Nichterlein.

Sabine Nichterlein — Source: Soc. Com. C. Santos
Sabine Nichterlein — Source: Soc. Com. C. Santos

Profissão gratificante

É preciso é que a sociedade e o mercado de emprego o interiorizem. «Infelizmente, para uma mulher não é fácil encontrar trabalho, principalmente no serviço fora (do país). No nacional já se vai vendo mais mulheres, mas não tanto como seria o ideal para as pessoas perceberem que isto não é uma coisa do outro mundo», explica Diana Macedo. «Não é uma profissão de homens, é uma profissão de quem a quiser desempenhar».

Esta profissional salienta que «é uma questão de tempo até as pessoas se habituarem e das senhoras também quererem enveredar por esta área» profissional. «As meninas devem apostar nesta profissão, porque é muito gratificante. Conseguimos lidar com várias pessoas, com várias culturas, várias mentalidades e, sinceramente, não há dinheiro no mundo que pague essa experiência. Acho que é uma força que tem de existir, que é as mulheres mudarem mentalidades e um pouco o mundo também. Fazerem ver que as mulheres são tão ou mais capazes do que um homem», exclama Diana Macedo.