A SOC. COM. C. SANTOS PROMOVEU UMA CONVERSA SOBRE A REALIDADE DO SETOR AUTOMÓVEL EM PORTUGAL NO PÓS-PANDEMIA.
A Sociedade Comercial C. Santos promoveu, no dia 2, uma conversa sobre a realidade do setor automóvel em Portugal no pós-pandemia. A opinião é de que nos últimos 3 anos houve uma aceleração da mudança que já existia, mas importa haver equilíbrio dos legisladores europeus para que a viagem rumo à descarbonização promova a sustentabilidade social.
A primeira SocTalks presencial no novo showroom do representante Mercedes-Benz e smart contou com especialistas na área, entre os quais dirigentes das maiores associações nacionais e internacionais do setor.
Com o tema “O setor automóvel português no pós-pandemia”, a conversa contou com a participação de Rodrigo Ferreira da Silva, vice-presidente do Conselho Europeu do Comércio e da Reparação Automóvel (CECRA) e presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN); Roberto Saavedra Gaspar, secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (ANECRA); António Cavaco, diretor do Departamento Económico-Estatístico da Associação Automóvel de Portugal (ACAP); e Pedro Menezes Soares, diretor comercial do Standvirtual & OLX Motors. A conversa foi moderada por Aquiles Pinto, relações públicas da Sociedade Comercial C. Santos.
Usados importados ganharam importância
O mercado português de automóveis ligeiros novos está a crescer em 2023 face a 2022 (+46,4% até maio), mas ainda está 15% abaixo do período homólogo de 2019 (o ano que antecedeu a pandemia de Covid-19), de acordo com a ACAP. Há vários fatores a justificarem esse cenário, um dos quais a falta de stock disponível que durou vários meses e que ainda não está totalmente resolvido.
Isso levou a que houvesse um aumento da importação de automóveis usados. O rácio de usados importados face aos automóveis novos ligeiros de passageiros foi de 67,1% em 2022, tendo sido matriculados 104.908 automóveis em 2ª mão provenientes de outro Estado-membro da União Europeia, o que compara com os 72.586 registos em 2021 (um rácio de 49,5%).
Eletrificação mais rápida nos novos
De janeiro a maio de 2023 a quota de mercado dos automóveis elétricos foi de 15,6%, contra 13,4% dos modelos com motor diesel. «É um marco histórico», de acordo com António Cavaco, num mercado em que há poucos anos o diesel tinha, nalguns construtores, uma quota de mercado de 70%. Incluindo elétricos, híbridos plug-in e híbridos convencionais, as energias alternativas já se aproximam de 50% das matrículas de automóveis novos em Portugal. «É uma alteração galopante do mix de vendas».
Historicamente houve uma correlação grande entre o mercado de automóveis novos e usados no que se refere à oferta, com o segundo a “repetir” comportamento semelhante ao primeiro ao cabo de 3 a 4 anos. A crise de oferta de novos que ocorreu no período da pandemia alterou essa realidade, mas o diretor comercial do Standvirtual & OLX Motors diz:
«Temos um sistema fiscal muito fechado que não nos permite exportar automóveis usados, pelo que o mercado nacional tem uma ligação muito direta entre a venda e entrega de novos ao stock de usados. No entanto, face à falta de stock de novos, o setor virou-se para os importados, para fazer à procura superior à oferta durante o período de pandemia.
«Ao vermos (agora) o mercado de novos a estabilizar, começa a haver uma queda nas importações», afirma Pedro Menezes Soares. «Com a estabilização em curso do mercado, até em termos de preço, não obstante a pressão das taxas de juro ser uma realidade, a co-relação maior entre o mercado de novos e de usados voltará a acontecer», acrescenta.
Quanto à eletrificação, o diretor comercial do Standvirtual & OLX Motors salienta que esta acontece a um ritmo mais lento no mercado de usados. «O segmento empresarial representa mais de 80% do mercado automóvel e as gestoras de frotas têm uma exposição muito grande ao diesel. No futuro isto alterar-se-á».
Metas de emissões mudaram realidade
O secretário-geral da ANECRA fala num mercado completamente diferente entre 2020 e o atual, devido não só à pandemia, mas também pelas leis que a União Europeia pretende aprovar, tais como o pacote “Fit for 55“, um conjunto de propostas destinadas a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa no território comunitário em, pelo menos, 55% até 2030.
«Há três anos a maior parte de nós achava que os elétricos seriam uma das soluções de mercado, mas não a única. Hoje já percebemos que não é bem assim, até pelas metas ambientais que foram criadas. Foi neste período que foi aprovado o “Fit for 55”, que define as emissões zero e que coloca condições à produção».
Também do ponto de vista da organização dos operadores houve alterações. «Neste período aconteceu o modelo de negócios Tesla — com vendas digitais, menos instalações e menos condições de entrega de veículos — que há três anos trazia mais ceticismo do que hoje.
«Portanto, na prática mudou tudo nos últimos três anos. E provavelmente nos próximos quatro a cinco anos irá mudar muito mais», indica Roberto Saavedra Gaspar.
Modelo economicista e falta de base técnica
Sobre o modelo de organização de agenciamento e privilégio da reserva online de marcas mais recentes e com gama elétrica, Rodrigo Ferreira da Silva aponta, também, fatores económicos para a sua proliferação.
«O chamado modelo Tesla, que está igualmente presente nas marcas chinesas, também existe porque é a forma mais barata de uma marca nova entrar no mercado. Estamos aqui num espaço fantástico vosso, muito recente (o novo showroom da Sociedade Comercial C. Santos abriu no fim de novembro) e não podemos compará-lo com as condições que outros operadores têm para comercializar um automóvel. São universos completamente distintos”.
O presidente da ARAN e vice-presidente do CECRA considera que «os números que vão «atirando” de objetivo de redução de emissões para a norma Euro 7 e para o “Fit for 55” têm muitas vezes até falta de base técnica» e aponta incongruências. «Por exemplo, se um carro não cumprir as normas, mas for exportado para fora da UE e depois reimportado passado um mês, já pode estar no espaço europeu».
Neste cenário de eletrificação, «os chineses estão 15 anos à frente» dos europeus, segundo a mesma fonte. «Perceberam que não ganhavam esta “guerra” nos motores a combustão interna e apostaram no veículo elétrico. Têm as matérias-primas e a escala necessária.
«Nos últimos 12 meses, o porto de Antuérpia foi alvo de 80 marcas chinesas a pedirem homologações de automóveis na Europa. Estamos a assistir a uma “inundação” do mercado por marcas chinesas, por serem o único país que já consegue ter escala para produzir veículos elétricos a um preço acessível».
Sustentabilidade ambiental e social
Rodrigo Ferreira da Silva salienta a importância da acessibilidade para a sustentabilidade social e, mesmo ambiental. «A acessibilidade dos carros está a atirar muitos clientes que vão para os carros usados e importados, enquanto outros adiam a compra porque têm dúvidas se podem adquirir um modelo plug-in ou um modelo elétrico.
«No fundo, isto é um objetivo contrário ao da redução de CO2, porque estamos a prolongar a vida útil de automóveis mais velhos e com o envelhecimento do parque circulante e, assim, automóveis mais poluentes acabam por ficar mais tempo na estrada».
Roberto Saavedra Gaspar avisa que algumas medidas não têm o efeito pretendido no curto prazo. «O que seria importante é que os veículos do parque circulante pudessem utilizar combustíveis de menores emissões. Se falarmos só de carros novos, demoramos 30 ou 40 anos a renovar todo o parque. E depois deixamos de fora uma parte enorme da população», defende o secretário-geral da ANECRA.